A Utilização da Inteligência Artificial na Celebração de Acordos no Direito Processual Civil

Por Giulia Bastos Isabela Oliveira

A aplicação da inteligência artificial (IA) ao Direito Processual Civil brasileiro representa uma resposta tecnológica às mazelas estruturais do sistema de justiça, notadamente à morosidade processual, à sobrecarga do Poder Judiciário e à necessidade de soluções mais céleres e eficazes. Nesse cenário, destaca-se a potencialidade da IA na mediação, negociação e formalização de acordos judiciais e extrajudiciais, promovendo a cultura da autocomposição, conforme os princípios do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), especialmente os arts. 3º, §§ 2º e 3º, e 334.

A IA oferece uma gama de aplicações úteis à solução consensual de conflitos, como plataformas de mediação automatizada e sistemas de previsão de desfechos processuais baseados em jurisprudência consolidada. Tais ferramentas são capazes de auxiliar as partes a identificar pontos de convergência, propondo acordos com base em dados históricos, padrões jurídicos e linguagem natural. Essa tecnologia não substitui o raciocínio jurídico, mas o complementa, ao conferir maior previsibilidade, eficiência e racionalidade à atuação dos operadores do Direito.

No âmbito prático, já se verificam experiências em que a IA atua como facilitadora de acordos, inclusive no contexto do Judiciário brasileiro. A exemplo, o Conselho Nacional de Justiça tem iniciado nova plataforma de autocomposição, através de sistema de IA voltado à mediação digital, promovendo economia processual e o descongestionamento de varas cíveis.

Todavia, a adoção de tais tecnologias impõe desafios relevantes. Em primeiro, a ausência de transparência nos algoritmos utilizados pode comprometer a legitimidade dos resultados obtidos. Nesse viés, a opacidade algorítmica dificulta a compreensão dos critérios utilizados pelas máquinas para sugerir ou recomendar soluções, o que pode violar o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal). Igualmente preocupante é a possibilidade de reprodução de vieses discriminatórios, quando os sistemas são treinados com bases de dados enviesadas.

Outro aspecto sensível é a proteção de dados pessoais, sobretudo diante do tratamento de informações sensíveis nos procedimentos de mediação e negociação. A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) estabelece princípios fundamentais, como os da finalidade, necessidade e segurança, os quais devem ser observados rigorosamente por plataformas baseadas em IA, sob pena de responsabilização civil e administrativa. Assim, frisa-se a necessidade de protocolos de segurança cibernética robustos, a fim de proteger a confidencialidade e a integridade das informações compartilhadas.

Além disso, a atuação da IA deve ser acompanhada de supervisão humana qualificada. O uso dessas tecnologias não pode afastar o controle ético e jurídico sobre as decisões automatizadas, sob pena de comprometer os valores democráticos que regem o processo civil. Por isso, torna-se indispensável investir na capacitação dos profissionais do Direito, inclusive com a incorporação do estudo de tecnologias emergentes nos currículos acadêmicos. A formação multidisciplinar de juristas, programadores e especialistas em ética é fundamental para o desenvolvimento de soluções confiáveis.

Nesse sentido, a inteligência artificial possui grande potencial para transformar a forma como os acordos são celebrados no processo civil brasileiro. Ao automatizar tarefas repetitivas, identificar padrões e propor soluções racionais, os sistemas de IA ampliam as possibilidades de resolução consensual e contribuem para um Judiciário mais ágil e acessível. Contudo, essa inovação exige um marco regulatório sólido, o respeito à proteção de dados, mecanismos de controle e a participação ativa dos profissionais do Direito.

Conclui-se, portanto, que a inteligência artificial representa uma oportunidade histórica para transformar o Direito Processual Civil. Para tanto, sua adoção deve ser guiada por princípios éticos, transparência, responsabilidade e constante capacitação dos profissionais. O futuro da justiça é digital, mas deve continuar sendo, sobretudo, humano.


A Utilização da Inteligência Artificial na Celebração de Acordos no Direito Processual Civil