Entre Reformas Processuais: A Releitura da Súmula 410 do STJ à Luz das Alterações do CPC de 1973 e do CPC de 2015

Por Rowena Peruchi Marroquio

O Superior Tribunal de Justiça publicou, no ano de 2009, o Enunciado da Súmula nº 410, que trata da necessidade de intimação pessoal prévia do devedor como condição para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Estava vigente, naquele ano de 2009, o Código de Processo Civil de 1973, cujo artigo 632 determinava que “quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe assinar, se outro não estiver determinado no título executivo.”[1]

Diversos foram os precedentes determinantes para que o Superior Tribunal de Justiça concluísse pela necessidade de que a parte destinatária da ordem de fazer ou não fazer seja pessoalmente intimada da decisão cominatória, especialmente quando há fixação de astreintes.

Um deles foi o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 993.209-SE (2007/0232037-8), de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, justamente a atual relatora dos Recursos Especiais de números 2.096.505, 2.140.662 e 2.142.333, recursos estes que foram afetados para julgamento sob o rito dos repetitivos.

Julgar tal tema sob o rito dos repetitivos se tornou imprescindível para a pacificação da controvérsia. Notadamente porque, após a vigência do Código de Processo Civil de 2015, a Súmula 410 do STJ passou a ser flexibilizada por alguns Tribunais, gerando algum grau, inclusive, de expectativa sobre o seu cancelamento.

Indiscutivelmente, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe novidades, sobretudo no que tange a segurança jurídica, sendo evidente a necessidade de se debater sob o crivo do microssistema de demandas repetitivas, sobretudo conforme determina o artigo 927, § 4º do referido diploma legal:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Entretanto, da mesma forma que o Código de Processo Civil de 2015 inaugurou uma nova era com o regime de precedentes, também alterou o artigo 632 do Código de Processo Civil de 1973, dispositivo que foi referência determinante para o debate que originou o Enunciado da Súmula nº 410 do Superior Tribunal de Justiça:

A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Na vigência do CPC de 2015, a obrigação de fazer se encontra disposta no artigo 815, que dispõe: “Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o executado será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe designar, se outro não estiver determinado no título executivo”.,

Além disso, aplica-se o disposto no artigo 513, §2º, inciso I, prevista nas disposições gerais para o cumprimento de sentença do CPC/2015, o qual prevê que o devedor será intimado para cumprir a sentença “pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos”.

Ocorre que, antes mesmo da vigência do Código de Processo Civil de 2015, o Código de Processo Civil de 1973 já havia sido significativamente alterado, sobretudo no que tange a edição das Leis n.º 11.232/2005 e 11.382/2006, leis estas que alteraram os dispositivos relativos ao processo de execução.

Outrossim, o Enunciado da Súmula nº 410 do STJ foi publicado, conforme previamente mencionado, no Diário da Justiça Eletrônico de 16/12/2009, ano em que já estavam vigentes as Leis n.º 11.232/2005 e 11.382/2006. Ou seja, a publicação da Súmula anos após a vigência de tais leis, demonstra que a questão já havia sido enfrentada pelo STJ sob o prisma daquelas alterações.

Nesse sentido, já há entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ratificado pela Ministra Nancy Andrighi, no sentido de que:

“nada obstante, o cumprimento da sentença pressupõe ordem para fazer, o que arrasta a necessidade de comunicação in faciem, insubstituível pela publicação no diário oficial. É que na forma dos artigos 234 e 238 do CPC, as intimações são pessoais quanto ao destinatário, podendo à semelhança do art. 11 da lei do writ, operar-se pelo correio; tanto mais pela própria citação que consubstancia o contraditório, admite esta modalidade que a receptiva de vontade.”[2]

A relevância de referido tema reside no fato de que, fixadas as astreintes – independentemente da fase processual, seja em sede de tutela, seja em sede de sentença ou recursal, deve-se dar ciência inequívoca de tal determinação ao agir de quem àquela obrigação foi direcionada, isto é, in faciem (na tradução literal: cara a cara), o que justificaria dizer que não deve ocorrer por meio do advogado constituído nos autos do processo.

Retorna-se, portanto, à discussão acerca da efetiva ciência do devedor para cumprimento da tutela específica das obrigações de fazer, e não fazer, como condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação específica.

Os defensores do cancelamento da Súmula nº 410 o fazem, em sua grande maioria, partindo da premissa de análise teleológica, isto é, no sentido de ser dispensada a intimação pessoal quando os elementos trazidos aos autos evidenciem, de forma inequívoca, que os réus tinham ciência da determinação judicial que os compelia a cumprir a obrigação de fazer.

Outros o fazem a partir da nova sistemática processual, que disciplinou a questão no art. 513, § 2º, I, do CPC, de maneira que se torna prescindível a intimação pessoal do devedor, sendo suficiente a intimação pelo Diário da Justiça, na pessoa de seus procuradores.

Por outro lado, o entendimento previamente esboçado acerca do tema pela Ministra Nancy Andrighi, relatora dos Recursos Especiais de números 2.096.505, 2.140.662 e 2.142.333, recursos estes que foram afetados para julgamento sob o rito dos repetitivos, nos leva a crer que prevalecerá a manutenção da Súmula nº 410, inclusive porque houve alterações significativas do Código de Processo Civil de 1973 antes mesmo da edição referida súmula, que ocorreu no ano de 2009.

É inegável, portanto, que se faz pertinente novo debate acerca do referido tema, de modo a prestigiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, princípios estes que visam assegurar às  partes e aos advogados entendimento linear do Judiciário sobre o tema, sobretudo a fim de garantir a efetividade de um processo isonômico.


[1] Art. 632 da Lei nº 5.869 | C.p.c./1973, de 11 de janeiro de 1973.

[2] Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_38_capSumula410.pdf

Entre Reformas Processuais: A Releitura da Súmula 410 do STJ à Luz das Alterações do CPC de 1973 e do CPC de 2015