Encargos bancários: a comissão de permanência sob o atual entendimento do STJ
Por Jezebel de Melo Eiras e Camila Medim
A comissão de permanência consistia em um encargo bancário aplicado exclusivamente em situações de inadimplemento contratual, exercendo três funções principais: remunerar a instituição financeira pelo capital indisponibilizado, penalizar o contratante pelo descumprimento da obrigação e desestimular a inadimplência por meio da aplicação de juros de mora legais.
Sua regulamentação encontrava respaldo na Resolução nº 1.129/1986[1] do Conselho Monetário Nacional (CMN), editada com base no artigo 4º, incisos VI e IX, da Lei nº 4.595/1964[2], dispositivos que conferem ao CMN competência exclusiva para normatizar a remuneração das instituições financeiras. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmada no julgamento dos Recursos Especiais repetitivos nº 1.058.114/RS e nº 1.063.343/RS (Tema 52), a comissão de permanência compreendia três componentes: juros remuneratórios do contrato (limitada à taxa média divulgada pelo Banco Central – BACEN), juros de mora e multa contratual. Justamente por abarcar esses três encargos de forma conjunta, o STJ estabeleceu que sua cobrança não poderia ser cumulada com correção monetária nem com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios, a fim de evitar a duplicidade (bis in idem) e, consequentemente, onerosidade excessiva e enriquecimento sem causa.
Mesmo antes da consolidação do entendimento no julgamento dos mencionados recursos repetitivos, a Segunda Seção do STJ já havia uniformizado o conceito e a licitude da cobrança da comissão de permanência:
“A comissão de permanência é formada por três parcelas, a saber: 1) juros que remuneram o capital emprestado (juros remuneratórios); 2) juros que compensam a demora no pagamento (juros moratórios); e 3) se contratada, a multa (limitada a dois por cento, se ajustada após o advento do Código de Defesa do Consumidor) que constitui a sanção pelo inadimplemento.”[3]
Com a entrada em vigor da Resolução CMN nº 4.558/2017, houve significativa mudança normativa. A nova norma revogou expressamente a Resolução nº 1.129/1986 e passou a vedar a previsão contratual da comissão de permanência. A partir de 1º de setembro de 2017, as instituições financeiras ficaram autorizadas a exigir, no caso de inadimplemento: i) juros remuneratórios previstos no contrato; ii) juros de mora conforme a legislação aplicável; e iii) multa moratória, também nos termos da legislação vigente[4]. A referida resolução foi revogada pela Resolução CMN nº 4.882/2020.
O STJ, por sua vez, mantém entendimento consolidado quanto à legalidade da cobrança da comissão de permanência até a vigência da Resolução nº 4.558/2017, com a ressalva de que ela deve ser utilizada de forma exclusiva, não podendo ser acumulada com correção monetária, juros ou multa. Tal posição está refletida nas Súmulas nº 30, 294 e 472 do STJ, que estabelecem, respectivamente, a vedação de cumulação entre comissão de permanência e correção monetária; a legalidade de cláusulas que preveem a comissão de permanência limitada à taxa média de mercado; e a exclusão da exigibilidade de outros encargos caso a comissão de permanência seja exigida.
Súmula 30/STJ: A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.
Súmula 294/STJ: Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
Súmula 472/STJ: A cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.
É dizer: mesmo após a proibição da cláusula de comissão de permanência pela Resolução nº 4.558/2017, é plenamente possível a estipulação dos encargos que a compunham, desde que previstos separadamente e sem cumulação com correção monetária ou com outros encargos remuneratórios ou moratórios.
Em situações de cumulação indevida, o STJ, ao julgar o referido Tema 52, firmou entendimento no sentido de preservar a cláusula de comissão de permanência, desde que contratada de forma clara e informada ao consumidor, afastando-se os demais encargos indevidamente cumulados. Essa orientação é bem representada no voto do ministro João Otávio de Noronha, que destacou a importância de respeitar o princípio da conservação dos atos jurídicos e de se manter cláusulas válidas sempre que possível, desde que observados os parâmetros fixados pela jurisprudência:
“Diversamente do que entende a e. Relatora, não vejo, na estipulação de comissão de permanência, imprevisibilidade que possa prejudicar o consumidor, mormente se considerarmos a firme jurisprudência desta Corte de que não é possível sua cobrança em patamares superiores à taxa de juros pactuados para a fase de normalidade do contrato, ou seja, para o período anterior ao eventual inadimplemento. (…)
Por isso é que prefiro, sempre que possível, evitar a decretação da nulidade de negócio jurídico, quando ajustável às normas legais aplicáveis ou à interpretação dominante nos tribunais.
No caso ora em julgamento, observo que aquilo que o contrato denominou de comissão de permanência é exatamente o que tem sido admitido pela jurisprudência desta Casa. O contrato prevê, para a fase de inadimplemento, a cobrança de comissão de permanência calculada pela taxa do contrato ou pela taxa média de mercado, mais juros de mora de 1% ao mês ou 12% ao ano, além de multa de 2%. Assim, não há razão para decretar a nulidade de cláusula que está em perfeita consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e à qual as partes aderiram livremente.
Como regra, portanto, sempre que convencionada cláusula de comissão de permanência, deve o juiz verificar, diante dos termos em que pactuada, se estão respeitados os limites definidos pela jurisprudência deste Tribunal, bem expostos no REsp. nº 834.968. Se estão respeitados aqueles limites, prevalece a cláusula na sua inteireza; se houver excessos, deve o juiz decotá-los em observância à orientação contida naquele aresto, preservando, tanto quanto possível, a vontade que as partes expressaram ao pactuar os encargos de inadimplemento, em homenagem ao princípio da conservação dos atos jurídicos. A decretação da nulidade da cláusula será, então, medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento”.
Nesse sentido, o STJ considera válida a cláusula de comissão de permanência isoladamente pactuada, desde que respeitados os limites jurisprudenciais: a) os juros remuneratórios devem observar a taxa média de mercado, sem ultrapassar a taxa contratada para o período de normalidade; b) os juros de mora não podem exceder 12% ao ano; e c) a multa contratual deve observar o limite de 2% sobre o valor da prestação, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A regulamentação da comissão de permanência pelo Conselho Monetário Nacional, assim como a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, buscou equilibrar a proteção do consumidor com a segurança jurídica das instituições, limitando a cumulação de encargos.
Dessa forma, a análise da jurisprudência atual do STJ sobre a comissão de permanência contribui para a compreensão dos limites e possibilidades dos encargos financeiros no sistema bancário brasileiro, evidenciando o papel do controle judicial na proteção dos direitos do consumidor e, ao mesmo tempo, respeito às normas do órgão regulador do Sistema Financeiro Nacional.
[1] Resolução 1129/86 (revogada recentemente pela Resolução 4558/17) dispunha:
“I – Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedades de crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma da legislação em vigor, “comissão de permanência”, que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento.
II – Além dos encargos previstos no item anterior, não será permitida a cobrança de quaisquer outras quantias compensatórias pelo atraso no pagamento dos débitos vencidos.”
[2] Lei nº 4.595/1964: Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:
(…) VI – Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; (…);
IX – Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover: (…);
Art. 9º Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”.
[3] STJ, Segunda Seção, REsp 834.968/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 7/05/2007. Este precedente, inclusive, foi citado no voto vencedor (Min. João Otávio de Noronha) do acórdão proferido nos repetitivos indicados como paradigmas.
[4] Resolução CMN 4558/2017 – “Art. 1º As instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil podem cobrar de seus clientes, no caso de atraso no pagamento ou na liquidação de obrigações, exclusivamente os seguintes encargos: I – juros remuneratórios, por dia de atraso, sobre a parcela vencida; II – multa, nos termos da legislação em vigor; e III – juros de mora, nos termos da legislação em vigor.”