O acúmulo de função

Por Maurício del Castillo.

O contrato de trabalho é um acordo entre empregador e empregado, no qual ambas as partes têm direitos e deveres pré-estabelecidos. Nesse contexto, trata-se de um contrato comutativo, o que significa que ambas as partes esperam receber benefícios equivalentes em troca das obrigações assumidas. 

Logo, o contrato de trabalho é baseado na noção de equilíbrio contratual, onde as tarefas e a remuneração são acordadas de maneira justa. No entanto, caso ocorra o acúmulo de função, esse equilíbrio fica comprometido, uma vez que o empregado passa a desempenhar tarefas adicionais sem receber a adequada contraprestação. 

O acúmulo de funções não se caracteriza pela quantidade de tarefas diversas realizadas pelo empregado, mas em razão da prestação de serviços incompatíveis com a função para a qual foi contratado. Ou seja, quando um empregado desempenha, de forma contínua e simultânea, atividades que não estão diretamente relacionadas ao cargo ocupado.  

Essa prática pode gerar conflitos no ambiente de trabalho e implicações legais, como o pagamento de um adicional ou até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho. 

Deve-se destacar que não basta o desempenho de algumas tarefas a mais para que seja configurado esse acúmulo. A mudança e o desvirtuamento devem ser relevantes e contínuos.  

O exercício de atividades complementares à função, realizadas durante a mesma jornada de trabalho, não implica acúmulo de funções se não provado desvirtuamento da função principal. 

A CLT, no parágrafo único do artigo 456, estabelece que, “inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.” 

Assim, se inexiste cláusula relacionada a atribuição exclusiva, o acúmulo de atribuições distintas, isso por si só, não garante o direito ao recebimento do adicional por acúmulo de função. 

Logo, no direito do trabalho brasileiro, impera a multifuncionalidade do empregado no contexto da relação empregatícia. 

Destaca-se que a distribuição de atividades se encontra no âmbito do poder diretivo do empregador. Nesse sentido, a jurisprudência do TST:  

→ TST: 

“A decisão agravada, proferida por esta Relatora, deu provimento ao recurso do reclamado, com amparo no artigo 456, parágrafo único, da CLT, e restabeleceu a sentença que indeferiu a pretensão do reclamante de recebimento de um plus salarial , no percentual de 30% , pelo alegado acúmulo das funções de gerente de relacionamento e de expediente , em um posto de atendimento do banco reclamado. A partir dos fatos expressamente delineados no acórdão regional, concluiu-se que não havia cumulação de funções, pois, o acúmulo de funções ocorre quando há "uma alteração efetiva nas condições originais de trabalho pactuadas, quando para o exercício da função cumulada é exigido um maior grau de qualificação", o que não se verificou, na hipótese.” (TST - Ag-ARR: 05001278320145170132, Relatora: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 15/02/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 22/02/2023). 
“RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. BANCÁRIO. OFERTA OU VENDA DE PRODUTOS INTERMEDIADOS PELO BANCO. INEXISTÊNCIA DE ACÚMULO DE FUNÇÕES - ART. 456, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. ACRÉSCIMO SALARIAL INDEVIDO. O exercício de atividades compatíveis com a condição pessoal do trabalhador não enseja o pagamento de acréscimo salarial por acúmulo de funções, uma vez que o salário já remunera todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho, exceto se houver estipulação contratual ou normativa em sentido contrário. Esta é a inteligência do art. 456 da CLT. No caso, a oferta ou venda de seguros, títulos de capitalização, cartões de crédito, planos de previdência e outros mais comercializados pela instituição financeira não é incompatível com as demais funções exercidas pelo bancário, inexistindo, assim, desequilíbrio contratual que justifique acréscimo salarial. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 00017343120145110012, Relatora: Morgana De Almeida Richa, Data de Julgamento: 15/03/2023, 5ª Turma, Data de Publicação: 17/03/2023). 
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Esta Corte sedimentou o entendimento de que não caracteriza acúmulo de funções a atividade de cobrança de passagens com a de motorista, em virtude de aquela atividade ser compatível com as funções contratuais de motorista. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: 01018937220175010038, Relator: Alberto Bastos Balazeiro, Data de Julgamento: 08/02/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: 10/02/2023) 

Assim, quanto ao acúmulo, o ônus de provar o alegado é do empregado, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 818, I da CLT e artigo 373, I, do CPC/2015. 

Por fim, deve-se destacar que salvo nos casos de vendedor (Lei nº 3.207, de 18 de julho de 1957) e radialista (Lei nº 6.615, de 16 de dezembro de 1978.), não existe na legislação um valor definido para o pagamento desse adicional, ficando a cargo da jurisprudência o percentual a ser aplicado. 

Portanto, demonstrado que o empregado desempenhou funções relacionadas ao emprego para o qual contratado e que essas funções são compatíveis com a sua condição pessoal, na forma do art. 456 da CLT, não há que se falar no pagamento do adicional. 

O acúmulo de função