Publicidade Enganosa, Jogos de Aposta e Superendividamento: A Responsabilidade dos Influenciadores Digitais
Por Giovanna Caboudy Mizrahi
Segundo Claudia Lima Marques, o superendividamento pode ser definido como a “impossibilidade global do devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”[1].
Em seu turno, o art. 54-A, §1º, do Código de Defesa do Consumidor prevê, in verbis:
“Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.”
Em outras palavras, o superendividamento ocorre quando o consumidor possui tantas dívidas de consumo que não consegue prover a sua própria subsistência.
O instituto do superendividamento emerge, então, visando a consagrar uma proteção aos consumidores que estão de boa-fé, de forma que a Lei nº 14.181/2021 (“Lei do Superendividamento”) trouxe diversas novidades no âmbito do direito do consumidor, como se pode extrair do Código de Defesa do Consumidor (vide arts. 4º, IX e X, e 5º, VI e VII do referido diploma legal).
Cumpre aclarar que há o superendividamento ativo – quando a pessoa, voluntariamente, se coloca na situação de superendividamento, seja na forma consciente ou inconsciente – e o passivo[CM8] – quando o consumidor se endivida de forma involuntária, por fatores externos.
Nesse cenário, ganha relevância a discussão sobre os jogos de aposta. A despeito disso, os influenciadores digitais podem atuar, a depender do contexto e das condutas desempenhadas, como fornecedores, ao passo que os seguidores podem ser enquadrados como consumidores, uma vez que são destinatários finais da publicidade veiculada.
À luz do art. 18 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), o termo produto é gênero composto por várias espécies, tais quais: bens, serviços, facilidades, instituições, e até mesmo ideias promovidos pela publicidade. Ou seja, tudo o que os influenciadores divulgam nas mídias, com a intenção de vender, comercializar e divulgar, é considerado produto. O mesmo dispositivo preceitua que consumidor é toda pessoa atingível pelo anúncio, como consumidor final, público intermediário ou usuário.
É inegável que os influenciadores exercem papel de protagonismo na dinâmica comercial contemporânea, e a veiculação de publicidade enganosa relacionada a apostas — especialmente quando não acompanhada de alertas claros sobre os riscos envolvidos — revela-se extremamente preocupante. Esse tipo de conduta enseja a responsabilização daquele que realizou a divulgação sem as devidas cautelas, induzindo seus seguidores a acreditarem em promessas irreais de lucro.
A gravidade da situação se intensifica ainda mais quando se constata que muitos consumidores têm o primeiro contato com plataformas de apostas justamente por meio das recomendações feitas por esses influenciadores. Nesses casos, é possível identificar um nexo causal entre a mensagem enganosa divulgada e os prejuízos sofridos pelo consumidor.
Imagine-se, por exemplo, a situação de um seguidor que, ludibriado por discursos persuasivos de um influenciador digital, passou a apostar em plataformas de jogos e, como consequência, desenvolveu um quadro de superendividamento. Nessa hipótese, é plenamente possível considerar o influenciador como fornecedor por equiparação, nos termos do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, assumindo, assim, a responsabilidade pela promoção de um serviço que acabou por causar danos ao consumidor.
Diante desse contexto, faz-se mister reconhecer que aqueles que divulgam produtos ou serviços ao público assumem uma posição de responsabilidade sobre o conteúdo que promovem. Quando há alguma forma de colaboração com a marca, ou quando o nome do influenciador está diretamente vinculado à oferta, sua responsabilização pelos eventuais danos causados ao consumidor torna-se ainda mais evidente.
Resta cristalino, portanto, que a responsabilidade do influenciador deverá ser examinada caso a caso, sempre à luz da vulnerabilidade do consumidor e, em determinadas circunstâncias, levando-se em conta a condição de superendividamento. Em um mercado cada vez mais impulsionado por recomendações digitais, é fundamental que a comunicação publicitária seja pautada pela transparência.
[1] MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Claudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 255
