Quando se inicia a contagem do prazo para a interposição recursal?

Por Por Gabriel Melo e Giovanna Beneton

A 10ª Câmara de Direito Público do TJSP decidiu no último dia 05 que o início do prazo para a interposição de recurso contra acórdão se dá a partir da data própria sessão de julgamento, presencial ou telepresencial, quando houver a parte realizado sustentação oral. Este entendimento pode ser extraído do acórdão de julgamento dos embargos de declaração nº 1004314-54.2021.8.26.0642/0005.   

Para chegar a tal conclusão, a relatoria baseou-se no art. 718 das Normas Judiciais da Corregedoria Geral da Justiça deste Tribunal, segundo o qual: ”A intimação do acórdão, que será assinado apenas pelo relator, far-se-á mediante publicação da súmula de julgamento no Diário da Justiça Eletrônico, ou na própria sessão de julgamento, passando a fluir prazo para eventual interposição de recurso.”  

Soma-se a isso – deduziu o Órgão Julgador – o fato de que ao participarem da sessão e realizarem sustentação oral, as partes “puderam presenciar a prolação do voto do relator, ficaram inequivocamente cientes do resultado do julgamento, confirmado pela subsequente divulgação de sua súmula”. 

Diante disso, o cenário que se põe é o seguinte: poderia um dispositivo do Código de Normas do Tribunal se sobrepor às disposições do Código de Processo Civil? Será que o enunciado normativo que embasou a decisão ora discutida não deveria ser interpretado sistematicamente à luz da legislação processual?  

Longe de qualquer pretensão de exaurir o tema, é preciso jogar luz a essas duas questões. 

De pronto já se pode dizer que: a norma do regimento interno do TJSP, ou de qualquer outro tribunal, não pode sobrepor-se à lei. Estas normas internas regulamentam o funcionamento dos tribunais, mas não podem suprimir direitos regulamentados por leis federais – tampouco princípios constitucionais. 

A questão perpassa um dos pilares introdutórios do direito: a hierarquia das leis. Abaixo da Constituição Federal e de suas emendas estão as leis complementares, que por razões de quórum na aprovação, estão acima das leis ordinárias. Os Códigos são, em sua maioria, leis ordinárias, e este é o caso do Código de Processo Civil, como disposto em seu art. 44.  

O regimento interno dos tribunais está abaixo das leis, porque seu único fim é dar cumprimento a elas, devendo o escopo ser limitado a questões administrativas, não podendo inovar as normas processuais vigentes na lei brasileira.  

Veja que, o art. 941 do Código de Processo Civil dispõe que “proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor”, ou seja, é de se pressupor que ainda não há acórdão, o qual será redigido em observância ao debate instaurado na sessão de julgamento e conterá o entendimento vencedor.  

Ainda, está disposto no art. 205:  

“Os despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. 

§ 1º Quando os pronunciamentos previstos no caput forem proferidos oralmente, o servidor os documentará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura. 

[…] 

§ 3º Os despachos, as decisões interlocutórias, o dispositivo das sentenças e a ementa dos acórdãos serão publicados no Diário de Justiça Eletrônico.” 

Ocorre que, o entendimento exarado pela 10ª Câmara de Direito Público do TJSP faze crer que o advogado é intimado de pronto de uma decisão que sequer existe (em última análise, em toda sua extensão e fundamentação). E a experiência prática forense demonstra que, na grande maioria dos processos, a disponibilização do acórdão não ocorre no mesmo dia da publicação da súmula de julgamento. 

Não há melhor saída quando o voto do relator é acolhido pelos demais julgadores, isto porque, ainda que o acórdão já esteja previamente pronto, como poderiam os advogados presentes na sessão de julgamento recordar de todos os argumentos rapidamente lidos na prolação do acórdão – quando este é lido na íntegra, e não apenas a ementa – para rebater os argumentos que levaram àquele resultado?  

Por analogia, se uma sentença que contém apenas a parte dispositiva é nula por falta de fundamentação, na forma do §1º o art. 489 do CPC, como se pode considerar uma súmula de julgamento, que tão somente informa se o recurso foi provido ou não, sem conter qualquer fundamento documentado como determinado lei processual, como marco inicial para a interposição de recursos? A resposta parece até mesmo intuitiva: não se mostra razoável, com o devido respeito. 

A Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.710.498/CE, que debatia se o peticionamento nos autos configurava ciência inequívoca dos atos decisórios praticados anteriormente e que estavam documentados nos autos, ponderou que:  

“A intimação das partes acerca dos conteúdos decisórios é indispensável ao exercício da ampla defesa e do contraditório, pois somente com o conhecimento dos atos e dos termos do processo que cada litigante encontrará os meios necessários e legítimos à defesa de seus interesses.  

Detectado algum equívoco na comunicação que produza dano a qualquer das partes, por furtar-lhes o exercício em tempo e modo adequados de defesa dos interesses, a decretação da nulidade é a medida prevista no sistema para retomar a marcha processual até o seu almejado desfecho.” 

Ainda, no julgamento do EAREsp nº 1.663.952/RJ, o Ministro Raul Araújo, também do Superior Tribunal de Justiça, exarou o entendimento de que em respeito aos princípios da boa-fé processual, da confiança e da não surpresa, a legislação deve ser interpretada da forma mais favorável à parte, a fim de se evitar prejuízo na contagem dos prazos processuais, sob a égide da Lei 11.419/2006, a qual expressamente dispõe que “os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação” (art. 4º, § 4º). 

A conclusão que se alcança é que não basta que o resultado do julgamento seja comunicado na sessão de julgamento para que o início da contagem do prazo para a interposição recursal seja deflagrado; os fundamentos que levaram ao resultado devem estar documentados em sua íntegra, para que então se de plena ciência do ato jurídico formal ao advogado. 

E a bem da verdade, o TJSP pode se esgueirar sob a alegação de celeridade ou economia de atos processuais, mas está patente a violação de diversos princípios constitucionais e processuais basilares, como do contraditório e da ampla defesa, da publicidade, da segurança jurídica e da legalidade. Assim, se espera que o entendimento não seja prevalente, ou quando muito, que o STJ se pronuncie em sentido contrário se provocado.  

Quando se inicia a contagem do prazo para a interposição recursal?